O papel do propósito e das metas na vida com Alzheimer
Descubra como propósito e metas ajudam pessoas com Alzheimer a manter qualidade de vida, autoestima e esperança após o diagnóstico.
PSICOEDUCAÇÃO
Mauricio Maluf Barella
8/15/20255 min read
Receber o diagnóstico de Alzheimer ou outra forma de demência pode ser assustador.
Muitas pessoas e famílias acreditam que a vida perde o sentido a partir desse momento.
No entanto, pesquisas científicas, relatos de pacientes e experiências de cuidadores mostram justamente o contrário: manter um propósito e estabelecer metas de vida é um dos fatores mais poderosos para preservar o bem-estar, a autonomia e a dignidade ao longo da jornada com a doença.
O livro Pathways to Well-Being with Dementia (Dementia Action Alliance, 2025) reforça que, após o impacto inicial do diagnóstico, reencontrar um motivo para levantar da cama todos os dias é um ponto de virada.
Pacientes relatam que cultivar objetivos, mesmo pequenos, traz esperança, confiança e melhora a qualidade de vida .
Neste artigo, vamos explorar o papel do propósito e das metas de vida no Alzheimer, como isso influencia o cérebro, o corpo e as emoções, e como familiares e cuidadores podem ajudar nesse processo.
O que significa ter propósito ao viver com Alzheimer?
Propósito não é algo abstrato: é a sensação de que a vida tem valor, de que ainda há coisas importantes a realizar e motivos pelos quais vale a pena viver.
Para uma pessoa com Alzheimer, o propósito pode estar em: continuar participando de atividades sociais, ensinar algo para os netos, dedicar-se a um hobby, ajudar em pequenas tarefas domésticas, praticar espiritualidade ou fé, ou simplesmente estar presente com a família.
Segundo a Alzheimer’s Disease International (2023), o propósito é um elemento-chave de bem-estar, pois fortalece a autoestima e ajuda a reduzir o impacto negativo do estigma e da perda de autonomia.
Metas como bússola diária
As metas funcionam como pequenas etapas que tornam o propósito possível. Elas podem variar conforme o estágio da doença:
Nos estágios iniciais: aprender algo novo, manter a independência em atividades simples, engajar-se em exercícios físicos.
Nos estágios intermediários: manter contato social, praticar atividades artísticas, registrar memórias em fotos ou diários.
Nos estágios mais avançados: encontrar prazer em experiências sensoriais (música, toque, aromas), manter momentos de afeto e vínculo com os familiares.
Estudos publicados no Journal of Alzheimer’s Disease (Boyle et al., 2010) demonstram que idosos com forte senso de propósito têm até 30% menos risco de declínio cognitivo rápido.
Mesmo entre pessoas já diagnosticadas, aqueles que mantêm metas apresentam melhor desempenho funcional e níveis menores de sintomas depressivos.
A neurociência do propósito
Manter metas não é apenas uma questão psicológica: o propósito tem efeitos biológicos.
Pesquisas em neurociência mostram que: o propósito ativa áreas do cérebro relacionadas à motivação e planejamento, como o córtex pré-frontal. Estimula a liberação de neurotransmissores ligados ao bem-estar, como dopamina e serotonina. Está associado à redução de marcadores inflamatórios, comuns em doenças neurodegenerativas.
Pode até favorecer a chamada reserva cognitiva, mecanismo que ajuda o cérebro a se adaptar e compensar perdas neuronais.
Um estudo do JAMA Psychiatry (2019) apontou que pessoas com maior senso de propósito apresentaram menor acúmulo de proteínas beta-amiloide, relacionadas ao Alzheimer.
Histórias reais: quando o propósito transforma a jornada
O livro Pathways to Well-Being with Dementia traz inúmeros relatos de pessoas que transformaram a vida após o diagnóstico, ao reencontrar sentido.
Laurie Scherrer, diagnosticada com demência frontotemporal aos 55 anos, afirma que fez um pacto consigo mesma: “Prometi a Deus que faria algo de positivo todos os dias da minha vida”. Ela se tornou palestrante, blogueira e encontrou alegria em ajudar outros pacientes .
Jim Mann, com Alzheimer precoce, transformou sua dor em ativismo contra o estigma. Hoje, é reconhecido internacionalmente por promover a inclusão social de pessoas com demência .
Ray Arand, policial aposentado, encontrou propósito em continuar participando ativamente da vida da família, ajudando a tomar decisões e mantendo suas rotinas de lazer .
Essas histórias mostram que, mesmo diante das perdas, ainda há muito a ser vivido com dignidade, alegria e contribuição social.
Como familiares e cuidadores podem apoiar
Para que o propósito se mantenha vivo, é essencial que a família e os cuidadores atuem como parceiros. Algumas estratégias práticas incluem:
Envolver a pessoa nas decisões: perguntar suas preferências e respeitar escolhas, sempre que possível.
Valorizar pequenas conquistas: comemorar metas simples, como preparar uma refeição ou participar de uma caminhada.
Criar rotinas significativas: incluir hobbies, música, jardinagem, espiritualidade ou qualquer atividade que traga alegria.
Estimular a conexão social: manter visitas, passeios ou encontros em grupos de apoio, como os Memory Cafés.
Dar sentido ao cuidado: mostrar à pessoa que ela ainda contribui para a família, mesmo que de forma simbólica.
Um estudo de Teri et al. (2005), na The Gerontologist, mostrou que programas de suporte psicológico e engajamento em atividades significativas reduziram sintomas de depressão em pessoas com Alzheimer e melhoraram o bem-estar dos cuidadores.
Benefícios do propósito para pacientes e famílias
Para a pessoa com Alzheimer: melhora do humor, redução da ansiedade, maior engajamento social, preservação da autoestima e até melhora funcional.
Para os familiares: sensação de esperança, redução da sobrecarga e fortalecimento dos vínculos afetivos.
Para a sociedade: combate ao estigma, valorização da pessoa com demência como cidadã ativa e capaz de contribuir.
Conclusão: viver com Alzheimer ainda é viver
Ter Alzheimer não significa o fim da vida. Significa a necessidade de ressignificar: encontrar novos caminhos, estabelecer novos objetivos e se apoiar em relações significativas.
O propósito e as metas não curam a doença, mas transformam a experiência de viver com ela. Como diz uma das mensagens centrais do livro Pathways to Well-Being with Dementia: “A vida não acaba com o diagnóstico. Ainda há muito para aprender, compartilhar e viver” .
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📚 Referências
Dementia Action Alliance et al. Pathways to Well-Being with Dementia: Manual of Help, Hope and Inspiration. 2nd Edition, 2025 .
Boyle, P.A., et al. Purpose in life is associated with reduced risk of incident Alzheimer disease and mild cognitive impairment in community-dwelling older persons. Arch Gen Psychiatry. 2010;67(3):304–310.
Alzheimer’s Disease International. World Alzheimer Report 2023. Livingston, G., et al. Dementia prevention, intervention, and care: 2020 report of the Lancet Commission. Lancet Neurol. 2020;19(11):1008-1062.
JAMA Psychiatry. Purpose in life and reduced risk of clinical Alzheimer disease. 2019.
Teri, L., et al. Exercise plus behavioral management in patients with Alzheimer’s disease: a randomized controlled trial. The Gerontologist. 2005;45(4):495–505.