O papel do sono na prevenção e no manejo das demências

Sono de má qualidade aumenta o risco de declínio cognitivo e demências. Descubra como a higiene do sono pode proteger sua memória e saúde cerebral.

PREVENÇÃO

8/26/20253 min read

Introdução

O sono é um processo fisiológico essencial para a consolidação da memória, regulação emocional e restauração neural. Alterações na arquitetura do sono — como insônia, latência prolongada para dormir ou baixa eficiência do sono — estão cada vez mais associadas a risco aumentado de comprometimento cognitivo leve (CCL) e demência (Mander, Winer & Walker, 2017).

Estudos recentes vêm reforçando que a qualidade do sono pode ser um marcador precoce e modificável de risco para Alzheimer e outras síndromes demenciais. Sono e risco de declínio cognitivo

Um estudo populacional recente apontou que pessoas que dormem mais tarde ou têm horários irregulares de sono apresentam maior risco de perda cognitiva e declínio ao longo do tempo (Boas Saúde, 2025).

O cronotipo noturno e o atraso no início do sono parecem comprometer a eficiência do repouso e reduzir os ciclos de sono profundo (NREM), essenciais para a limpeza de metabólitos tóxicos no cérebro, como o beta-amiloide.

Complementando esse achado, um grande estudo publicado na revista Sleep mostrou que padrões de sono irregulares e fragmentados estão associados a acúmulo de tau e amiloide no cérebro, aumentando a vulnerabilidade ao Alzheimer (Reffi et al., 2024).

Evidências neuropsicológicas e clínicas

No estudo indiano conduzido por Singh et al. (2025), adultos entre 50 e 80 anos com baixa eficiência do sono apresentaram piores desempenhos em memória episódica e funções executivas, quando comparados a bons dormidores .

Resultados específicos incluíram:

  • Maior tempo para concluir tarefas de flexibilidade cognitiva (Trail Making Test-B).

  • Piores escores em recordação tardia verbal (Verbal Learning Test).

  • Menor desempenho em fluência verbal fonêmica.

    Esses achados reforçam que sono de má qualidade não apenas aumenta o risco de demência no futuro, mas já afeta funções cognitivas críticas no presente.

    Mecanismos neurobiológicos

    As relações entre sono e demência envolvem múltiplos mecanismos:

  • Glicorrede neural e “sistema glinfático”: o sono profundo facilita a eliminação de resíduos neurotóxicos (Xie et al., 2013).

  • Consolidação da memória: durante o sono REM e NREM há reativação de circuitos hipocampais essenciais para memória episódica (Payne & Nadel, 2004).

  • Estresse oxidativo e inflamação: sono fragmentado aumenta marcadores inflamatórios que aceleram a neurodegeneração (Scullin & Bliwise, 2015).

  • Conectividade cerebral: a privação de sono reduz a atividade do córtex pré-frontal, impactando funções executivas (Jones & Harrison, 2001).

    Implicações para avaliação e diagnóstico

    Queixas de sono devem ser incluídas em protocolos de avaliação neuropsicológica, especialmente em idosos com queixas de memória. Escalas como o Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI) podem ser aplicadas rotineiramente para identificar risco.

    Em diagnósticos diferenciais, é crucial considerar se déficits de memória são consequência de alterações do sono ou de um quadro neurodegenerativo inicial.

    Implicações para prevenção e tratamento

  • Higiene do sono: manter horário regular, reduzir exposição a telas à noite, evitar cafeína.

  • Tratamentos não farmacológicos: terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I) mostrou eficácia em preservar funções cognitivas em idosos.

  • Intervenções farmacológicas e tecnológicas: estudos com melatonina e estimulação não invasiva (tDCS durante o sono) sugerem benefícios adicionais.

  • Rotina clínica: em pacientes com demência, adaptar os ciclos de luz/escuro pode reduzir agitação noturna e melhorar cognição diurna.

    Conclusão

    O sono emerge como um marcador precoce e um alvo terapêutico promissor na prevenção e no manejo de demências. Dormir bem não apenas melhora a qualidade de vida imediata, mas pode reduzir significativamente o risco de declínio cognitivo futuro.

    Para clínicos e familiares, a mensagem é clara: cuidar do sono é cuidar do cérebro.

Referências

  • BOA SAÚDE. Pessoas que dormem tarde podem ter maior risco de perda cognitiva. Disponível em: https://www.boasaude.com.br/noticias/21266/pessoas-que-dormem-tarde-podem-ter-maior-risco-de-perda-cognitiva.html . Acesso em: 26 ago. 2025.

  • JONES, K.; HARRISON, Y. Frontal lobe function, sleep loss and fragmented sleep. Sleep Medicine Reviews, v. 5, p. 463-475, 2001.

  • MANDER, B. A.; WINER, J. R.; WALKER, M. P. Sleep and human aging. Neuron, v. 94, p. 19–36, 2017.

  • PAYNE, J. D.; NADEL, L. Sleep, dreams, and memory consolidation: the role of the stress hormone cortisol. Learning & Memory, v. 11, p. 671-678, 2004.

  • REFFI, A. N.; MOORE, D. A.; DRAKE, C. L. Objective sleep disturbance in nightmares: is prolonged sleep onset latency a proxy for fear-of-sleep-related arousal?. Sleep, v. 47, p. zsaf234, 2024.

  • SCULLIN, M. K.; BLIWISE, D. L. Sleep, cognition, and normal aging: integrating a half century of multidisciplinary research. Perspectives on Psychological Science, v. 10, p. 97–137, 2015.

  • SINGH, A. et al. Association of Poor Sleep Efficiency With Decreased Executive Function and Impaired Episodic Memory in Older Adults. Cureus, v. 17, n. 8, e90061, 2025 .